
OPERAÇÃO JUDAS
Base da fraude era processo fantasma
PUBLICAÇÃO: 03.02.2012
O esquema de fraudes no pagamento dos precatórios pelo
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, instalado por Carla de Paiva
Ubarana Araújo Leal foi facilitado pelo "grau de autonomia" que ela,
como ex-chefe do Setor de Precatórios, parece ter recebido dos superiores
imediatos. Carla centralizou as informações sobre os processos e recebeu
"Guias de Depósito Judicial" assinadas pela secretaria geral do TJRN
"em branco". A segurança com que agia permitiu que ela cadastrasse no
SAJ (Sistema de Administração Judicial) um "processo fantasma" e
abrisse no Banco do Brasil uma conta judicial onde os recursos desviados dos
processos reais eram como que "compensados". A medida evitou
reclamações dos credores da lista de precatórios e dos entes públicos
pagadores. Nos últimos doze meses, por essa conta, foram movimentados R$
13.343.710,78 (treze milhões, trezentos e quarenta e três mil, setecentos e dez
reais e setenta e oito centavos)
.
Frankie Marcone
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A existência da conta real com o processos fantasmas evidenciam a falta de controle pelo Tribunal |
A conta judicial em questão foi cadastrada no Banco do
Brasil e teve o primeiro depósito em 02 de fevereiro de 2011, no valor de R$
1.686.911,80. O detalhe denunciador é que o único processo de precatórios
vinculado a ela é o de nº 2011.050117-3,
que só teve a distribuição registrada no SAJ em 29 de março, ou seja, mais de
um mês após a abertura e o depósito bancário. O processo, que tem como
requerente o Tribunal Pleno do TJRN e como requerido o Estado do Rio Grande do
Norte, está com o extrato disponível no site do Judiciário, mas só existe de
forma virtual. Os "autos físicos parecem nunca haver existido".
O extrato do processo está disponível no site do Judiciário.
Os únicos registros de movimentos são depósitos judiciais. Segundo o
levantamento preliminar das investigações, entre a data de abertura , em
fevereiro do ano passado, e o início de janeiro último foram dezenas de depósitos,
somando mais de R$ 13,3 milhões. O saldo na conta, em 19 de janeiro - nove dias
após o afastamento administrativo de Carla Ubarana da chefia do Setor de
Precatórios do TJRN - era de R$ 2.004,692,87 (dois milhões, quatro mil,
seiscentos e noventa e dois reais, oitenta e sete centavos).
Através do extrato do processo vinculado a conta é possível
identificar nove credores. Já é possível afirmar que alguns dos credores
relacionados são titulares de processos reais e que tinham valores a receber. A
TRIBUNA DO NORTE confirmou, por exemplo,
que o advogado Valério Djalma Cavalcanti Marinho realmente recebeu no
ano passado, como advogado, o valor dos precatórios que lhe eram devidos.
O entendimento preliminar é que a conta era usada pelos
operadores das fraudes como uma espécie de "câmara de compensação",
para pagamentos das guias judiciais duplicadas.
É o caso de um credor do processo 2000.001921-6, um dos
quatro processos com fraudes já comprovadas pela sindicância interna do TJRN,
cuja guia no valor de R$ 140.405,23, foi
duplicada e novamente paga a laranja do esquema através do processo
fantasma. Dessa forma, os valores no
processo/conta de origem eram tanto debitados como efetivamente pagos e
alimentavam o esquema. Da conta nº
2200103677644 sacavam também credores laranjas. As investigações preliminares
constataram que dela sacaram os três acusados apontados como
"laranjas" no esquema das fraudes.
Juiz afirma que grupo teve facilitação no TJ
A existência, a operação e a combinação da conta real com o
processo fantasmas também evidenciam a falta de controle sobre os processos e
os pagamentos dos precatórios dentro Tribunal de Justiça. E ampliam as
consequências e as possíveis responsabilidades pela ocorrência das fraudes.
Para o juiz José Armando Ponte Dias Junior, da 5ª Vara Criminal de Natal, que
concedeu o pedido de prisão, busca e apreensões contra os suspeitos de
envolvimento nas fraudes, o esquema todo caracteriza a formação de "uma
quadrilha".
Ao deferir o pedido feito pelo Ministério Público Estadual,
o juiz acrescenta uma observação significativa: "a atuação dessa quadrilha
dentro do TJRN era facilitada, não se sabendo até o presente momento se por
dolo, por incompetência administrativa, por mera desorganização, por excesso de
confiança nos subordinados ou mesmo pela falta de estrutura do serviço público
(muito serviço, poucos funcionários) pela conduta indevida da Secretaria Geral
do TJRN."
A secretaria geral é ocupada pela servidora Wilza Dantas
Targino que, em depoimento prestado aos promotores do Ministério Público
Estadual, disse saber que Carla Ubarana tinha guias de pagamento em branco,
assinadas por ela. Em vários dos pagamentos fraudados foram constatadas as assinaturas
de Carla Ubarana e Wilza Dantas nas guias. No mesmo depoimento, a secretária
geral do TJRN disse que a ex-chefe do setor de precatórios costuma levar para
ela "uma grande quantidade de guias" e, por esse fato, "não
conseguia conferir o nome de todos" em relação a lista de credores reais.
Relato feito por um funcionário do TJRN à comissão de
sindicância interna presidida pelo desembargador Caio Alencar parece
contradizer parte das declarações feitas pela secretária geral. O funcionário
assegurou que Carla Ubarana "apresentava guias em branco" para Wilza
Dantas assinar e que "essas guias ficavam exclusivamente em poder da
ex-chefe do setor dos precatórios. Para o juiz José Armando, "a ausência
de conferências das guias e as assinaturas de guias em branco" por Wilza
Dantas "facilitava o caminho para as fraudes".
Esquema preparava outros desvios
Um exemplo da fragilidade no Setor de Precatórios, é um dos
processos que envolvem servidores do Idema. No dia 16 de dezembro de 2011,
Carla Ubarana convocou tais credores para uma reunião que foi presidida pelo
juiz conciliador Cícero Macedo. Nem todos os arrolados nos precatórios do Idema
e da PGE compareceram. O Idema foi
representado por assessores jurídicos e do setor financeiro.
O processo 001.06.012146-8, arquivado em 02 de junho de
2011, após a juíza Ana Cláudia da Luz e Lemos determinar a expedição dos
precatórios em favor dos autores, incluía os nomes de Gildenor Augusto de
Araújo e Wânia Pereira Nunes. Nenhum dos dois é considerado suspeito. Eles
estão sendo tratados como vítimas.
Os servidores foram favoráveis à proposta do juiz e
aceitaram receber os precatórios com uma redução de 15% em relação ao cálculo
inicial. A conciliação ocorreu na
véspera do recesso judiciário. "Já no dia 19 de dezembro, eu tive
conhecimento de que dois clientes não estavam na lista dos que teriam os
débitos quitados", afirmou o advogado Antônio Luiz Lopes. Os fatos
relatados pelo defensor são semelhantes às informações presentes nas
investigações.
Os nomes de Gildenor e Wânia
sumiram da listagem cujo réu é o Idema. Outros dois processos surgiram
com os nomes deles para serem quitados pelo Município de Natal, inclusive com a
determinação presidencial para expedição de ofício requisitando o pagamento.
"Os processos dos dois existem. Não sabemos, porém, se
a retirada deles da listagem do Idema foi erro administrativo ou ação de má
fé", destacou o advogado. Com as irregularidades identificadas no TJ, o
processo parou e os credores não sabem quando receberão o dinheiro. "A
gente fica insatisfeito pois confia na Justiça. É um processo antigo e quando a
gente pensa que vai sair, pode estar envolvido numa fraude", lamentou
Gildenor Augusto de Araújo.
O juiz auxiliar da Presidência do TJ, Guilherme Pinto, foi
procurado para comentar o exposto. Ele disse que não tinha como avaliar o caso
pois não conhecia o processo. Guilherme ressaltou, ainda, que o foco da
sindicância em curso no TJ é a identificação de guias duplicadas e desvio de
recursos.
POSTADO POELA TRIBUNA DO NORTE