Os canalhas nos ensinam mais
PUBLICAÇÃO: 31.01.2012
PUBLICADO DO ESTADÃO DESTA TERÇA-FEIRA
De Arnaldo Jabor
Nunca vimos uma coisa assim. Ao menos, eu nunca vi. A
herança maldita da política de sujas alianças que Lula nos deixou criou uma
maré vermelha de horrores. Qualquer gaveta que se abra, qualquer tampa de lata
de lixo levantada faz saltar um novo escândalo da pesada. Parece não haver mais
inocentes em Brasília e nos currais do País todo. As roubalheiras não são mais
segredos de gabinetes ou de cafezinhos. As chantagens são abertas, na cara, na
marra, chegando ao insulto machista contra a presidente, desafiada em público.
Um diz que é forte como uma pirâmide, outro que só sai a tiro, outro diz que
ela não tem coragem de demiti-lo, outro que a ama, outro que a odeia. Canalhas
se escandalizam se um técnico for indicado para um cargo técnico. Chego a ver
nos corruptos um leve sorriso de prazer, a volúpia do mal assumido, uma ponta
de orgulho por seus crimes seculares, como se zelassem por uma tradição
brasileira.
Temos a impressão de que está em marcha uma clara “revolução
dentro da corrupção”, um deslavado processo com o fito explícito de nos
acostumar ao horror, como um fato inevitável. Parece que querem nos convencer
de que nosso destino histórico é a maçaroca informe de um grande maranhão
eterno. A mentira virou verdade? Diante dos vídeos e telefonemas gravados, os
acusados batem no peito e berram: “É mentira!” Mas, o que é a mentira? A
verdade são os crimes evidentes que a PF e a mídia descobrem ou os desmentidos
dos que os cometeram? Não há mais respeito, não digo pela verdade; não há
respeito nem mesmo pela mentira.
Mas, pensando bem, pode ser que esta grande onda de assaltos
à Republica seja o primeiro sinal de saúde, pode ser que esta pletora de vícios
seja o início de uma maior consciência critica. E isso é bom. Estamos
descobrindo que temos de pensar a partir da insânia brasileira e não de um
sonho de razão, de um desejo de harmonia que nunca chega.
Avante, racionalistas em pânico, honestos humilhados,
esperançosos ofendidos! Esta depressão pode ser boa para nos despertar da
letargia de 400 anos. O que há de bom nesta bosta toda?
Nunca nossos vícios ficaram tão explícitos! Aprendemos a
dura verdade neste rio sem foz, onde as fezes se acumulam sem escoamento.
Finalmente, nossa crise endêmica está em cima da mesa de dissecação, aberta ao
meio como uma galinha. Vemos que o País progride de lado, como um caranguejo
mole das praias nordestinas. Meu Deus, que prodigiosa fartura de novidades
sórdidas estamos conhecendo, fecundas como um adubo sagrado, tão belas quanto
nossas matas, cachoeiras e flores. É um esplendoroso universo de fatos, de
gestos, de caras. Como mentem arrogantemente mal! Que ostentações de pureza,
candor, para encobrir a impudicícia, o despudor, a mão grande nas cumbucas, os
esgotos da alma.
Ai, Jesus, que emocionantes os súbitos aumentos de
patrimônio, declarações de renda falsas, carrões, iates, piscinas em forma de
vaginas, açougues fantasmas, cheques podres, recibos laranjas de analfabetos
desdentados em fazendas imaginárias.
Que delícia, que doutorado sobre nós mesmos!… Assistimos em
suspense ao dia a dia dos ladrões na caça. Como é emocionante a vida das
quadrilhas políticas, seus altos e baixos – ou o triunfo da grana enfiada nas
meias e cuecas ou o medo dos flagrantes que fazem o uísque cair mal no
Piantella diante das evidências de crime, o medo que provoca barrigas
murmurantes, diarreias secretas, flatulências fétidas no Senado, vômitos nos
bigodes, galinhas mortas na encruzilhada, as brochadas em motéis, tudo compondo
o panorama das obras públicas: pontes para o nada, viadutos banguelas, estradas
leprosas, hospitais cancerosos, orgasmos entre empreiteiras e políticos.
Parece que existem dois Brasis: um Brasil roído por ratos
políticos e um outro Brasil povoado de anjos e “puros”. E o fascinante é que
são os mesmos homens. O povo está diante de um milenar problema fisiológico
(ups!) – isto é, filosófico: o que é a verdade?
Se a verdade aparecesse em sua plenitude, nossas
instituições cairiam ao chão. Mas, tudo está ficando tão claro, tão
insuportável que temos de correr esse risco, temos de contemplar a mecânica da
escrotidão, na esperança de mudar o País.
Já sabemos que a corrupção não é um “desvio” da norma, não é
um pecado ou crime – é a norma mesmo, entranhada nos códigos, nas línguas, nas
almas. Vivemos nossa diplomação na cultura da sacanagem.
Já sabemos muito, já nos entrou na cabeça que o Estado
patrimonialista, inchado, burocrático é que nos devora a vida. Durante quatro
séculos, fomos carcomidos por capitanias, labirintos, autarquias. Já sabemos
que enquanto não desatracarmos os corpos públicos e privados, que enquanto não
acabarem as emendas ao orçamento, as regras eleitorais vigentes, nada vai se
resolver. Enquanto houver 25 mil cargos de confiança, haverá canalhas, enquanto
houver Estatais com caixa-preta, haverá canalhas, enquanto houver subsídios a
fundo perdido, haverá canalhas. Com esse Código Penal, com essa estrutura
judiciária, nunca haverá progresso.
Já sabemos que mais de R$ 5 bilhões por ano são pilhados das
escolas, hospitais, estradas. Não adianta punir meia dúzia. A cada punição,
outros nascerão mais fortes, como bactérias resistentes a antigas penicilinas.
Temos de desinfetar seus ninhos, suas chocadeiras.
Descobrimos que os canalhas são mais didáticos que os
honestos. O canalha ensina mais. Os canalhas são a base da nacionalidade! Eles
nos ensinam que a esperança tem de ser extirpada como um furúnculo maligno e
que, pelo escracho, entenderemos a beleza do que poderíamos ser!
Temos tido uma psicanálise para o povo, um show de verdades
pelo chorrilho de negaças, de “nuncas”, de “jamais”, de cínicos sorrisos e
lágrimas de crocodilo. Nunca aprendemos tanto de cabeça para baixo. Céus, por
isso é que sou otimista! Ânimo, meu povo! O Brasil está evoluindo em marcha à
ré!
POSTADO POR AUGUSTO NUNES NA SUA COLUNA DE REVISTA VEJA