segunda-feira, 30 de janeiro de 2012


"Devassa" nas corregedorias e mistura leviana

PUBLICAÇÃO: 30.01.2012

Sob o título "Judiciário: afinal, por onde anda a verdade?", o artigo a seguir é de autoria do desembargador Caetano Lagrasta, do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Quando o Conselho Nacional de Justiça se propõe a “devassar” as corregedorias estaduais, ninguém, nem o mais parvo dos homens, em sã consciência poderá dizer que isso não é justo ou possível. Os documentos que todo cidadão deve exibir ao FISCO não eximem juízes ou servidores, lógico que, resguardado o sigilo e a segurança de todos. Assim, se há diferenças entre ganhos, gastos ou movimentações, suas razões devem ser apuradas (herança, prêmios, loterias etc). Pois bem, a mixórdia começa quando o que se pretende apurar – pagamentos atrasados e legalmente previstos, além da atualização monetária – são misturados leviana e mentirosamente com “venda de sentenças ou acórdãos”, tráfico de influência, corrupção ou atividade mafiosa, de bandidos travestidos de juízes, por trás de suas togas.

Pode alguém imaginar que se deixe de gozar férias e não sejam elas pagas ou que compensações salariais, previstas em lei, sejam postergadas? Essa situação, que no Estado de São Paulo atinge a cifra de 3 bilhões, acabou por permitir que alguns juízes ou servidores recebessem antes que seus pares por quebra de princípio administrativo básico: o da impessoalidade. Evidente que casos de extrema urgência ou necessidade existam e propiciem essa quebra, desde que justificados, porém o que conduziu à situação de injustiça ou parcialidade foi exatamente a alegada falta de previsão orçamentária ou de meios, por parte do Executivo. Há que sempre lembrar e lastimar quão longe está a época do Governo Montoro, quando todos, ao mesmo tempo, receberam seus direitos e férias em atraso.

O maior dos equívocos, contudo, se instala com a Constituinte e a criação de uma competência usurpadora ao preceito Federativo, ou seja, os juízes estaduais deixam de julgar os seus governadores. A consequência mais imediata é a de que os orçamentos do Poder Judiciário de cada Estado passem a sofrer cortes injustificados, nada obstante tais pagamentos estivessem autorizados pelo então Ministro da Justiça e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. Nada, então, pode ser negado ou retardado, por se tratar de política pública que garante o mínimo existencial. O Executivo ao se negar fazê-lo, alegando dificuldades orçamentárias ou falta de previsão, pratica retrocesso social, negado por decisões de Cortes Superiores e, assim, deixa de ser o garante da dignidade da pessoa humana, consagrado princípio constitucional.

Menos ainda, há que se acenar com prescrição dos créditos e atualizações, eis que na condição de membro ou de servidor do Poder o cidadão se submete pelo efetivo exercício aos preceitos empregatícios para o qual concursado e nomeado. Por fim, mas não como último, o que o CNJ pode fazer é apurar a obediência à ordem de preferência e a correta aplicação de juros aos créditos em atraso. E que cada tribunal dê divulgação dos que se aproveitaram da amizade ou do subterfúgio para receber, determinado imediato estorno aos cofres públicos. Nada mais.

POSTADO POR FREDERICO VASCONCELOS NO BLOG DA FOLHA.COM
Frederico VasconcelosFrederico Vasconcelos, 66, é repórter especial da Folha. Nasceu em Olinda (PE) e é formado em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco.