domingo, 8 de novembro de 2009

VOCÊ CONHECE UM MAU-CARATER?

Ciências
Publicação: Domingo, 8 de novembro de 2009
Você sabe reconhecer um mau-caráter?
Pesquisa da UFRN estuda nossa capacidade de identificar e nos lembrar de pessoas que já nos trapacearam.


Por que lembramos mais de pessoas trapaceiras do que as que nunca nos fizeram algum mal? É provável que o leitor ainda não tenha se questionado dessa forma, mas certamente se recordará rapidamente de alguma traição e de quem a provocou. Para o mestrando em Psicobiologia Tiago Eugênio, a indagação foi o primeiro passo para tentar entender, com base científica, os motivos por trás dessa memorização. Através da pesquisa "Eu me lembro de você? Evidência para melhor memória de faces de trapaceiros", inserida na base de pesquisa de Psicologia Evolucionista, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o pesquisador tem aplicado métodos e aponta dados preliminares que justificam esse aspecto do comportamento humano.



"Um dia parei para pensar quanto tempo da minha vida eu passo comentando sobre as possíveis pessoas que me 'passaram para trás'. É incrível como a gente se lembra melhor dos comportamentos de trapaça do que dos altruístas", observou. Dentro das leituras que buscou como possíveis referências, o pesquisador destacou, dentre as poucas encontradas, a "Teoria do Contrato Social", proposta por Leda Cosmides e John Tooby em 1992. "Para esses autores, existiram algumas faculdades cognitivas que teriam evoluído para regular as trocas sociais, entre elas a nossa capacidade de identificar os sujeitos e recordar dos mesmos", diz, acrescentando que existem vários estudos nesse sentido, mas muitos se contradizem. "Não existe um consenso na literatura sobre esse assunto".

Como forma de obter dados concretos, Tiago se utilizou de vídeos e aplicou o estudo com estudantes de duas escolas de Natal, uma pública e uma particular. "Exibimos oito vídeos com pessoas que simulam uma entrevista de emprego e um narrador observador conta uma história sobre aquele sujeito. Alguns são pessoas boas e confiáveis. Já outras apresentam um perfil totalmente de trapaceiro, de uma pessoa que não merece confiança".

Segundo ele, esta é a primeira experiência nesse sentido a utilizar-se de vídeos. "Existem vários estudos realizados com esse assunto, entretanto, todos usam fotografias. Acredito que vídeos simulem de forma muito mais eficaz a nossa realidade. Afinal, nós não conhecemos as pessoas por fotos, mas sim com mudanças de expressão e emoções", diz, observando a presença de novas mídias sociais que podem contradizer seu argumento. "É claro que hoje cada vez mais a gente está conhecendo pessoas por fotos por meio de Orkut, MSN, Gtalk, mas isso é muito recente, não faz parte da nossa natureza biológica. Nossa mente é um produto evolutivo de milhões de anos de seleção natural".

Dados preliminares

O participante da pesquisa faz uma tarefa de distração e faz um teste de recordação de faces. "O sujeito assiste a uma seção de 34 fotos, sendo oito imagens capturadas dos vídeos e mais 28 de pessoas estranhas, como forma de gerar a confusão no participante. As pessoas preenchem um caderno de resposta, nos indicando qual foto, dentre as 34, ele viu nos vídeos", detalha, apontando que, defato, os adolescentes testados se lembraram melhor dos sujeitos trapaceiros.

Para ele, a pesquisa é importante para o conhecimento dos mecanismos biológicos que as pessoas dispõem para construir suas relações sociais. "Ele é importante para nós entendemos como nossa mente e natureza está voltada justamente para evitarmos interações custosas com possíveis trapaceiros", explicou. O estudo, contudo, não é um teste que poderia ser adotado por empresas e outros setores da sociedade, no sentido de melhor escolher seus funcionários.

Defesa

Na opinião de Tiago Eugênio, a interação com trapaceiros pode ser muito custosa, do ponto de vista de que pode afetar a sobrevivência e a probabilidade do sujeito se reproduzir e deixar descendentes. "Assim, o processo de seleção natural, por certo, favoreceu os indivíduos providos de mecanismos mais eficazes para detectar possíveis trapaceiros. Saber quais são os sujeitos com quem você pode contar e não pode contar é adaptativo, pois com isso você pode direcionar melhor o seu investimento para aqueles indivíduos que, por ventura, poderá no futuro retribuir o seu investimento", analisou.
Publicação do Diario de Natal.