Corrupção e poder
O que era episódico se tornou um ‘sistema’ para a ‘governabilidade’
O novo ministro do Esporte, Aldo Rebelo, afirmou recentemente que os desmandos que ocorreram em sua pasta se devem a que as ONGs passaram a ter maior participação na concretização de políticas públicas. E sentenciou: ele só fará convênios com as prefeituras, não mais com segmentos da sociedade civil.
Ou seja, em vez de destrinchar o que ocorre na administração federal e de analisar as bases reais do poder e da corrupção, encontra um bode expiatório fora do governo.
No caso, quanto eu saiba, é opinião de pessoa que não tem as mãos sujas por desvios de recursos públicos. Não se trata, portanto, de simples cortina de fumaça para obscurecer práticas corruptas. São palavras que expressam a visão de mundo do novo ministro: o que pertence ao “Estado”, ao governo, é correto; o que vem de fora, da sociedade, traz impurezas...
O mal estaria nas ONGs em si, não no desvio de suas funções nem na falta de fiscalização, cuja responsabilidade é dos partidos e dos governos.
Esse tipo de ideologia vem associado à outra perversão corrente: fora do partido e do governo, nada é ético; já o que se faz dentro do governo para beneficiar o partido encontra justificativa e se torna ético por definição.
Repete-se algo do mensalão. Naquele episódio, já estava presente a ideologia que santifica o Estado e faz de conta que não vê o desvio de dinheiro público, desde que seja para ajudar os partidos “populares” a se manterem no poder.
Com uma diferença: no mensalão se desviavam recursos públicos e de empresas para pagar gastos eleitorais e para obter apoio de alguns políticos. Agora, são os partidos que se aninham em ministérios e, mesmo fora das eleições, constroem redes de arrecadação por onde passam recursos públicos que abastecem suas caixas e os bolsos de alguns dirigentes, militantes e cúmplices.
A corrupção e, mais do que ela, o “fisiologismo”, o clientelismo tradicional sempre existiram. Depois da redemocratização, começando nas prefeituras, o PT — e não só ele — enveredou pelo caminho de buscar recursos para o partido nas empresas de coleta de lixo e nas de transporte público (sem ONGs no meio...).
Há, entretanto, uma diferença essencial na comparação com o que se vê hoje na esfera federal. Antes, o desvio de recursos roçava o poder, mas não era condição para o seu exercício. Agora, os partidos exigem ministérios e postos administrativos para obter recursos que permitam sua expansão, atraindo militantes e apoios com as benesses que extraem do Estado.
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POSTADO POR RICARDO NOBLAT COLUNISTA DO GLOBO