O Tribunal de Justiça ignorou os pedidos de socorro da juíza assassinada no RIO
PUBLICAÇÃO: 23.08.2011
A primeira mulher a exercer a Presidência da República ainda não deu um pio sobre a primeira juíza assassinada por um grupo de exterminío. Desde 11 de agosto, quando Patrícia Acioli foi abatida por 21 tiros disparados por armas privativas das Forças Armadas e da polícia, Dilma Rousseff não gaguejou uma frase que fosse sobre a emboscada em Niterói. Quem joga conversa fora todo dia com Ideli Salvatti deve ter tempo de sobra para pensar na afronta intolerável ao Estado Democrático de Direito. O problema é que Dilma só pensa no governador amigo. Não convém lembrar que uma juíza que atrapalhava a vida de quadrilhas formadas por delinquentes paisanos e fardados morreu sem proteção no Rio que Sérgio Cabral jura ter pacificado.
“Como cidadão, estou chocado”, concedeu o passageiro da EikeTur ao saber do que acontecera do outro lado da ponte. Se o cidadão estava chocado, o governador permanecia tão tranquilo que dispensou a ajuda da Polícia Federal na elucidação do crime. Se a situação se complicar, entrará em cena para instalar UPPs em tribunais onde resistem magistrados convencidos de que todos são iguais perante a lei. Por enquanto, não é necessário. A Divisão de Homicídios da Polícia Civil saberá cuidar de tudo, garantiu no dia 12 o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame.
Passados cinco dias, a delegada Marta Rocha, que dirige as investigações, não revela o que descobriu ─ se é que fez alguma descoberta. “Estamos trabalhando em silêncio”, explicou nesta quarta-feira. Morta, Patrícia Acioli continua extraordinariamente mais eficaz que os sherloques muito vivos. Cópias de documentos que assinou provam que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e a Secretaria de Segurança Pública ignoraram apelos e denúncias que poderiam ter impedido o desfecho terrível.
Num ofício enviado à presidência do tribunal, por exemplo, advertiu que o major que a escoltava tinha vínculos com policiais bandidos que havia condenado. Em outro, mostra-se inconformada com a redução da escolta, determinada pelo Tribunal de Justiça. Em vez de três policiais, seria acompanhada por apenas um. “Esta magistrada não precisa de motorista e nem de alguém para carregar seus processos”, ironizou. “Entendendo que a questão envolvendo a minha vida é algo muito importante, não entendi o tratamento que foi dado ao caso”.
Em 2009, Patrícia comunicou pessoalmente a Beltrame que o bicheiro Luiz de Azeredo Coutinho era abastecido com informações privilegiadas por um informante infiltrado na Secretaria de Segurança. “Não prendo ninguém”, alegou Beltrame nesta quinta-feira. “Na época, determinei que a Polinter prendesse esse cidadão e que investigassem se um policial passava informações a ele”. Dois anos depois, o bicheiro está em liberdade, o espião segue à solta e o inquérito repousa na corregedoria.
Se quisessem apenas livrar-se da juíza que jamais capitulou, os mandantes do crime teriam sido menos espalhafatosos. Um assassino solitário executaria com maior discrição e menores riscos o mesmo serviço ignóbil. Deliberadamente, os arquitetos da trama preferiram mobilizar meia dúzia de carrascos, carros e motos. A emboscada foi montada para avisar ao Judiciário e ao Executivo que não se desafia impunemente quem manda.
Dilma Rousseff só chora nas festas de despedida de ministros gatunos. Sérgio Cabral continua caprichando em mais um ato do espetáculo do cinismo. A equipe de Marta Rocha continua à procura de homicidas que provavelmente moram ao lado. A documentação deixada por Patrícia é suficiente para incriminar os destinatários dos apelos e denúncias. O secretário de Segurança incorreu no pecado da negligência. O Tribunal de Justiça tornou-se cúmplice por omissão.
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FONTE: JORNALISTA AUGUSTO NUNES / VEJA.COM