quinta-feira, 15 de outubro de 2009

SAÚDE PÚBLICA


Saúde pública: questão política

A conversa de hoje enfrenta o nó górdio da saúde pública, alertando sobre a existência de interesses poderosos que, impunemente, impedem o funcionamento efetivo do SUS.

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi concebido para ser um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Ele deveria abranger desde o simples atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país. Esta é a teoria.

Na prática, desde 1990, foi aprovada uma Emenda Constitucional (Emenda 29) que estabeleceu o piso mínimo para os estados (12 por cento) e municípios (15 por cento), mas não estabeleceu o piso do Governo Federal. E também - até hoje - o Governo Federal não regulamentou o que deve ser reconhecido como investimento em saúde e nem regulamentou uma fiscalização efetiva do seu cumprimento.

Pergunto eu: por que essa Emenda Constitucional nunca foi regulamentada? Quais são os segmentos que desejam manter o SUS patinando?

Por falar nisso, a entrevista do presidente do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Junior, publicada em jornal local, é fiel à verdade.

O Brasil investe muito pouco em saúde. Investe menos que a Argentina e o Chile. Em relação aos países desenvolvidos, é melhor nem comparar. Os EUA investem 20 vezes mais, apesar de ainda excluir cerca de 50 milhões de pessoas, até porque o sistema estadunidense é todo privatizado. Obama está tentando mudar.

Mas, este não é o ponto central da questão, sabidamente complexa. Aqui no patropi, o nó a ser desatado não está na quantidade de dinheiro investido. A questão não é somente de financiamento, é eminentemente política. Senão, vejamos.

Em primeiro lugar, os governos não trabalham com o conceito de saúde preventiva, e não apostam fortemente em unidades de alta especialização (falo de clínicas cardiovasculares, de traumato-ortopedias, neurocirurgias, nefrologia, queimados, diagnósticos e tratamentos do câncer, entre outras).

Por trás dessa "crise de gestão", existem interesses fáceis de identificar.
A meu ver, o objetivo de se manter a rede pública de saúde sob eterna crise de gestão é favorecer a iniciativa privada; sejam unidades hospitalares, sejam planos de saúde, sejam entidades profissionais.

O fato é que o SUS contraria frontalmente interesses mercadológicos privados.
Voltamos a um tema recorrente. No Brasil, a administração pública sempre foi patrimonialista, o Estado é dominado por grupos privados, poderosos e organizados.

Ensinou o professor Sérgio Burque de Hollanda que "o Estado é visto, a priori, como incompetente e inconfiável e o mercado como local da racionalidade e da virtude".

O Estado dominado pelo "homem cordial", particularista, se tornou o conceito mais importante da vida política brasileira até hoje: o "patrimonialismo" do Estado e da "elite", a qual governa como se os recursos públicos fossem seus bens particulares.
Voltando ao SUS, constata-se uma crise entre o público e o privado, onde este último deveria apenas complementar os procedimentos que o sistema público não pudesse oferecer.

Para o caro leitor entender, vamos à situação do Hospital Walfredo Gurgel, em Natal. A rede pública paga 1,5 mil reais por plantão a um neurocirurgião; todavia, o mesmo profissional recebe entre 5 e 10 mil reais, por cada procedimento, numa clínica particular. O que acontece, então?

Este exemplo serve para qualquer capital brasileira. Ocorre o seguinte: os pacientes politraumatizados chegam ao Walfredo, são estabilizados e ficam aguardando a transferência para uma clínica particular, sob alegação de que no Walfredo (hospital público) não se fazem cirurgias eletivas (não urgentes).

Como diria Zé Ninguém, "onde é que está escrito isso"? Desculpa esfarrapada.
Será que o real motivo é o valor bem maior pago pelo mesmo procedimento na rede privada; todavia, pago pelo poder público? A dedução é do caro leitor.

Em Natal, assim como em todo o patropi, quase a totalidade dos procedimentos de alta complexidade não funciona sem a iniciativa privada, a qual envolve tecnologia de alto custo, e é altamente lucrativa.

A verdade é que, com a complacência do Governo, a busca pela saúde, que deveria ser um direito nosso e um dever do Estado, acaba sendo um ótimo negócio para alguns grupos poderosos.

Resumo da ópera: o governo federal (do PT) não cumpre a legislação, não regulamenta, não fiscaliza, não investe na construção de unidades públicas de alta complexidade nem na saúde preventiva da população, descumprindo os princípios e o processo de humanização do SUS, beneficiando ricos empresários, e alimentando o sofrimento da maioria dos cidadãos brasileiros. Uma questão eminentemente política.