domingo, 9 de maio de 2010


"Ficha limpa é exigência inevitável para candidatos", diz Marcos José de Castro Guerra
Publicação: 09 de Maio de 2010


Kamilo MarinhoAdvogado enaltece importância do projeto Ficha Limpa Advogado enaltece importância do projeto Ficha Limpa

O advogado Marcos José de Castro Guerra integra a Comissão Brasileira de Justiça e Paz — organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), entidade que faz parte do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Foi esse movimento que liderou a campanha do Projeto Ficha Limpa, que recolheu assinaturas de um milhão e meio de eleitores e está agora em votação na Câmara dos Deputados. Mestre em Direito Internacional e Ambiental, Marcos Guerra, disse acreditar que a ideia, cuja aplicabilidade depende de aprovação dos deputados federais e senadores, seguramente influenciará de maneira decisiva já na eleição deste ano. O advogado, que também é presidente da Comissão de Relações Internacionais da OAB do Rio Grande do Norte, opina que, ao contrário do que enfatizam alguns juristas, a proposta é constitucional.

Na votação que está em andamento na Câmara, a essência do projeto Ficha Limpa foi mantida?
Eu me orgulhei da votação na terça-feira (4). Houve um debate democrático e de alto nível, com posições divergentes, mas tentando conciliar para atender o que a sociedade quer. Esse projeto Ficha Limpa é de origem popular e chegou lá com mais de um milhão e meio de assinaturas. É um projeto, simbolicamente, muito importante. A Câmara, depois de algumas dificuldades e tentativas de adiar, votou. Houve o compromisso formal, assumido por todas as lideranças de bancadas, de que se houvesse adiamento em relação aqueles destaques, haveria votação no dia seguinte. Mas infelizmente, na quarta-feira (5), o compromisso não foi cumprido e ficou adiado para a próxima terça-feira (11). Esse é o aspecto preocupante, porque todo adiamento empurra para a possibilidade da lei não poder ser aplicada na próxima eleição. Depois da Câmara, vai para o Senado. Se tiver qualquer modificação no Senado, tem que voltar para a câmara. Depois, ainda tem, como toda lei, que ser sancionada pelo Executivo e publicada. Então o tempo que for possível “ganhar” aumenta o risco de que ela só entre em vigor nas eleições seguintes e não na deste ano.

O senhor teme que o fundamento do projeto seja modificado nessa tramitação?
Todos nós tememos. Mas qualquer tentativa neste sentido será uma manifestação contra o inevitável. A consciência do eleitor e da sociedade brasileira leva ao inevitável. Leva a extirpar do processo eleitoral quem não tem ficha limpa. Tanto que uma boa parte dos partidos já disseram que não dependem da votação. Avisaram que na convenção só vão aceitar candidaturas de quem tem Ficha Limpa. Então, este é o caminho. Querer evitar a exigência de ficha limpa, é se enganar. Como seria se enganar, tentar desfigurar o projeto. A sociedade encontra ouros caminhos. Mas, claro, vale o que está escrito. Se conseguissem desvirtuar a proposta, ganhariam mais dois ou quatro anos, para puder impunemente ser candidatos, mesmo que não tenham a ficha limpa.

Recentemente, houve até uma discussão entre o senador José Agripino e a ex-governadora Wilma de Faria sobre “fichas”. O que hoje é considerado como um político que tem ficha limpa?
Houve uma evolução. Na proposta original, que teve um milhão de assinaturas, bastava ter sido condenado na primeira instância. Ou seja, um simples juiz, que chamamos “juiz singular”, poderia condenar e isso bastaria para impedir a candidatura. Uma reflexão foi feita na Comissão Brasileira de Justiça e Paz e também na OAB. Foi visto que existe o risco de alguém, por ser humano, se prestar a uma manipulação e dar uma condenação, até sabendo que haveria o recurso, mas poderia ensejar um prejuízo maior (o impedimento do réu disputar a eleição). Então, diante do princípio de presunção de inocência, e para ampliar a possibilidade de defesa, houve uma modificação no projeto original, levando a que se exija pelo menos a condenação por órgão colegiado (para impedir a candidatura). Assim, não será mais a decisão de um juiz, mas também de um órgão colegiado, ou seja, de um Tribunal ou de uma Câmara de um Tribunal. E quem for condenado em segunda instância ainda pode recorrer a um órgão pleno, ou seja, a um plenário de um Tribunal e, em alguns casos, a um Tribunal Superior. Digamos que essa é a situação atual (do projeto em tramitação na Câmara). Então, a proposta é constitucional, na medida em que, só quem tem uma condenação em primeira instância, e essa condenação for renovada em segunda instância colegiada, não poderia se candidatar. Foi incluído também no projeto que, se houver um recurso contra um candidato, esse recurso teria que ser julgado imediatamente. Exatamente para evitar que se empurre com a barriga para evitar a condenação definitiva.

Há advogados que, mesmo assim, criticam o projeto sob alegação da presunção de inocência. Apontam suposta inconstitucionalidade, porque alguém só poderia ser impedido de se candidatar, na visão desses críticos do projeto, se fosse condenado em última instância...
Não sou advogado eleitoral, mas sou advogado há bastante tempo. Formei-me em 1965. E a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, assim como as demais entidades que defendem o projeto, consultaram alguns juristas brasileiros. Temos um parecer de juristas famosos, dizendo que não há inconstitucionalidade. São advogados com Aristides Junqueira, Celso Antônio Bandeira de Mello, Fábio Konder Comparato, Hélio Bicudo, Ricardo Wagner de Souza Alcântara, entre outros. É um discussão que pode chegar ao Superior Tribunal Federal. Mas estamos tranquilos. É perfeitamente possível que essa lei passe e possa ser executada sem conflitar com a constituição.

O movimento que defende o projeto mantém a esperança de aprovação em tempo hábil para valer nas eleições deste ano?
Nós temos a esperança de que haverá um respeito aos compromissos assumidos. Esse projeto foi demasiadamente dialogado. Houve um compromisso muito claro de se viabilizar a discussão e o aperfeiçoamento do projeto, com votação a tempo de valer para essas eleições. Então, temos a esperança de que a palavra será honrada.

A resistência ao projeto tende a ser maior no Senado do que na Câmara?
Temos a esperança de que, no Senado, a tramitação e a discussão sejam mais pacificas e mais rápida. Podemos lembrar que se considera o Senado uma câmara que tende a demonstrar mais maturidade, com apenas três parlamentares por Estado. A idade média também é superior no Senado e os interesses representados são mais coletivos. Além disso, há um compromisso assumido, após reunião na última quarta-feira (5) entre um grupo de senadores e representantes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), para traçar uma estratégia de votação rápida e consensual do substitutivo do deputado federal José Eduardo Cardozo (PT-SP) ao projeto Ficha Limpa.

Pelo presidente do Senado ter tantos problemas na Justiça, não pode haver mais entraves para a votação?
Não acreditamos. Se ele não se sentir a vontade para presidir a votação, existe o mecanismo para que a presidência seja assumida por outro parlamentar. Mas, nestes momentos, cada uma das pessoas estão tendo a oportunidade de dizer: “Eu também evolui e entendo o que a sociedade está pedindo” . Além de um milhão e meio das assinaturas ao projeto, pela internet a proposta também recebeu dois milhões de assinaturas antes do inicio da votação na Câmara.

O senhor avalia que a aplicação deste projeto é inevitável diante do apoio que recebeu tanto das assinaturas como dos movimentos sociais?
Eu não tenho dúvida de que é inevitável e é bem vindo. Agora se o Congresso Nacional fizer uma queda de braço com a opinião pública, a probabilidade de ganhar é pequena, porque os movimentos sociais partiriam para uma outra estratégia, que seria discutir diretamente com a opinião pública, no que se chamaria “a conscientização de ampla parcela da população”. O movimento de combate à corrupção eleitoral tem um slogan: “Voto não tem preço, tem consequência”. Então, seria uma briga do Congresso com a evolução das consciências. Creio que na próxima eleição, mais da metade dos partidos vai aplicar o Ficha Limpa quer seja lei oficial ou projeto de discussão. Tudo isso aponta para uma evolução, não tenha dúvida.

O que o senhor apontaria como evolução desse projeto em discussão em relação à lei atual de inelegibilidades?
A lei atual, de 1999, é muito tímida. São poucos os crimes tipificados. No projeto em discussão na Câmara, há uma quantidade maior de atos que são considerados criminosos, porque há uma consciência de que os atos de improbidade administrativa, contra os costumes e a moral da sociedade, não podem ficar impunes. Há também o aspecto, muito relevante, da duração. No projeto em discussão, os políticos condenados ficam impossibilitados de se candidatar por oito anos. E os políticos têm medo de oito anos fora da televisão, dos jornais dos microfones e dos palanques. E têm medo de depois de oito anos serem esquecidos. Então somos muito otimistas de que o Congresso sabe a hora de tomar a decisão. Além disso, cada partido deve saber quem pode apresentar como candidato e quem não pode mais apresentar como candidato, porque nos descaminhos da vida se perdeu e não corresponde mais ao que a população exige como lisura para confiar o exercício de cargos públicos.

Como o senhor vê o posicionamento dos políticos potiguares sobre o projeto?
Eu vejo com muita simpatia a atitude oficial dos nossos deputados federais. A maioria do Nordeste se comportou assim. Não houve votos contra e isso é muito importante. Diante da televisão e da rádio cada um dos deputados se deu conta do peso do “sim”. Isso me fez lembrar o tempo da votação dos “Diretas Já”, por exemplo, quando também cada um estava diante de si, da sua consciência, e das câmeras. Então, eu tenho muito otimismo e acho sadio o debate que começou, inclusive em público, com os políticos exibindo se estão condenados ou se têm certidões que demonstram se existem problemas no meio do caminho. A sociedade está começando a cobrar isso e é muito importante.

Ainda que o projeto não seja aprovado este ano, o senhor acredita que o Ficha Limpa influenciará a eleição?
Eu creio que ela seguramente já influenciará os votos na próxima eleição, porque esse debate não é em vão e alguma coisa fica na consciência do cidadão e também na consciência dos que vão organizar as listas eleitorais no momento das convenções. Se eu posso ter um ficha limpa que corre menos risco e alguém que não está na mesma situação, eu faço a escolha porque o objetivo do partido é ganhar a eleição.