domingo, 30 de maio de 2010

Entrevista - Ronaldo Sérgio Chaves Fernandes: "MP está pronto para aplicar o Ficha Limpa"

Publicação: 30 de Maio de 2010
Fonte: TRIBUNA DO NORTE / NATAL / RN.
Ronaldo Sérgio Chaves  Fernandes, Procurador Regional EleitoralRonaldo Sérgio Chaves Fernandes, Procurador Regional Eleitoral
O procurador Regional Eleitoral, Ronaldo Chaves Fernandes, afirmou que a partir do momento em que o projeto Ficha Limpa for sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quem tiver condenação — em um dos crimes apontados como passível de inelegibilidade e por um órgão colegiado (mais de um juiz) — terá problemas com o Ministério Público. “Vamos impugnar. Foi condenado, mesmo antes da lei, por órgão colegiado, vai ser motivo de impugnação por parte do Ministério Público. Essa é nossa intenção”, afirmou, ponderando, contudo, que tal procedimento se dará após ser superada a discussão sobre a aplicabilidade da lei, a cargo do Tribunal Superior Eleitoral. “Se o TSE afirmar que não se aplica nas eleições de 2010, obviamente não vamos enfrentar essa jurisprudência, porque mesmo ganhando aqui (no Tribunal Regional Eleitoral) iríamos perder em outra instância”, afirmou. Ronaldo Chaves ressaltou, no entanto, que acredita na aplicabilidade de imediato. “Alguns afirmam que (o projeto Ficha Limpa) é inconstitucional porque fere o princípio da presunção de inocência. Na verdade esse princípio é de não culpabilidade”, frisou. Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, o procurador assegurou que será feita uma fiscalização austera em face dos candidatos que infringirem a lei e disse acreditar que, com o advento de uma justiça mais firme, a tendência é de um processo eleitoral cada vez mais idôneo.

Se o projeto de lei Ficha Limpa, aprovado no Congresso Nacional, for sancionado pelo presidente da República, entrando em vigor, o que muda na atuação do Ministério Público Eleitoral?
Se for sancionado, como esperamos, vai ter uma repercussão direta na questão do registro dos candidatos, porque aqueles que tenham condenação pelos crimes elencados na lei ficarão impedidos de concorrer ao pleito. Isso se houver a condenação por órgão colegiado, conforme foi aprovado pelo Congresso. O projeto original não previa a necessidade de condenação por um órgão colegiado, apenas do juiz de primeiro grau. Mas o acordo possível entre os líderes partidários chegou a conclusão de que a condenação para estabelecer a inelegibilidade deve ser por órgão colegiado. Isso evita que uma pessoa só tenha o poder de impedir uma candidatura. No final, talvez tenha sido uma posição mais sensata. Ficou num ponto de equilíbrio. Assim, pessoas condenadas por crimes graves, como abuso de autoridade e crimes eleitorais, numa pena superior a dois anos, terá um impeditivo para a candidatura.

Mas a lei terá uma aplicação imediata?
Se isso for sancionado, obviamente terá uma grande discussão sobre a aplicabilidade da lei já nas eleições de 2010. Vamos nos defrontar com essa discussão. Mas existe uma consulta no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a respeito disso e esperamos que se defina que essa lei terá aplicação nas eleições de 2010. Essa discussão existe, porque há um artigo na Constituição, o 16, que trata do princípio da anualidade da lei eleitoral. Então toda lei que altere o processo eleitoral tem que ser publicada um ano antes para que seus efeitos possam ser aplicados um ano depois. Resta saber se essa alteração (do Ficha Limpa) representa uma modificação no processo eleitoral. É isso que o Supremo Tribunal Federal e o TSE vão decidir.

Pelas informações disponíveis até agora sobre o projeto aprovado, o texto será um avanço para assegurar a lisura das eleições?
Acho sim, avança. Vejo isso sempre como um processo. Se pegarmos a eleição passada, houve uma tentativa de criação de uma corrente jurisprudencial em relação à possibilidade de pessoas que sofreram condenação serem impedidas de se candidatar com base no princípio da moralidade. A interpretação era capitaneada inclusive pelo ministro do TSE Carlos Ayres Brito, com base na Constituição Federal. Essa tese enfrentada nas eleições de 2008 não prosperou. Por maioria, o TSE entendeu que não poderia uma pessoa que sofreu condenação ficar impedida de se candidatar, sem uma lei que estabelecesse essa inelegibilidade. A lei complementar 64/90 prevê sentença condenatória transitada em julgado. Ou seja, se alguém foi condenado num processo e não há possibilidade de recurso, não poderia se candidatar. O TSE tentou avançar definindo que a condenação representaria uma ofensa ao artigo 14, parágrafo 9º da Constituição, que diz: “A lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e o prazo de sua cassação, afim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato e a normalidade e legitimidade das eleições”. Então, com base nisso, o TSE quis avançar para estabelecer que uma pessoa condenada, ainda que não tenha o trânsito em julgado do processo, não poderia participar. Isso seria para preservar o princípio da moralidade eleitoral. Mas o entendimento que prevaleceu na ocasião foi de que isso dependeria de uma lei. Agora estamos diante da possibilidade de ter essa lei (com a sanção do Ficha Limpa). Por isso, considero que será um avanço. Antes, se tentou instituir isso sem a lei. Não foi possível. Depois de muita discussão, a lei veio por meio de iniciativa popular. Nenhum partido se aventurou a apresentar esse projeto, mas sim organismos que integram o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, do qual o Ministério Público faz parte e a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), entre outras instituições. Foi esse Movimento também o responsável pela provação pelo primeiro projeto de iniciativa popular do Brasil, que é famoso artigo “41-A” da lei eleitoral, que trata da “captação ilícita de sufrágio” e tem permitido a cassação de candidatos por ilícitos eleitorais. E isso tem sido um grande sucesso na Justiça Eleitoral. Temos hoje uma aplicabilidade muito grande deste dispositivo, mostrando que a compra de votos está sendo reprimida com base num artigo que foi criação de um projeto de lei de iniciativa popular. Então, hoje estamos diante de outro projeto de iniciativa popular. Por isso, avalio que estamos avançando. E me parece que o acordo possível, que definiu a necessidade de condenação por órgão colegiado, atenda o interesse dos congressistas que alegavam que, de vez em quando, “dá na cabeça” de um juiz condenar uma pessoa, que ficaria impedida de concorrer a um pleito. É uma ponderação razoável. Mas quando se tem uma condenação por um órgão colegiado, esse risco diminui, porque várias pessoas pensaram e analisaram o caso, ponderaram todas as provas do processo. Então tira o risco de uma pessoa só impedir uma candidatura.

Vai prevalecer o entendimento de que a restrição só vale para quem for condenado depois da sanção da Lei Ficha Limpa?
Essa é outra discussão. No Senado, houve apenas uma mudança redacional do projeto. Se tivesse mudança substancial, teria que ter voltado para a Câmara dos Deputados. Mas o fato é que devem ficar impedidos os que têm condenação. Essa é a interpretação que vamos fazer, fugindo de uma interpretação literal, que é a pior possível no âmbito jurídico.

O Ministério Público está pronto para aplicar essa interpretação, tão logo o projeto seja sancionado?
Sim. Temos ouvido declarações segundo as quais a Lei Ficha Limpa seria inconstitucional. Mas não é. Afirmam que é inconstitucional porque fere o princípio da presunção de inocência. Na verdade, esse princípio é de não culpabilidade. A Constituição não presume inocência, presume que você não seja culpado. Se presumisse inocência, não permitira a prisão cautelar. A pessoa pode ser presa antes da conclusão do processo, porque a Constituição não presume a culpabilidade. Se presumisse inocência, como se prenderia antes da condenação? A Constituição diz que não se pode dizer previamente que alguém é culpado. Mas não nega a possibilidade de prisão por um motivo que não seja relacionado à culpabilidade. Então a maior prova de que a Constituição não afirma a presunção de inocência é que ela permite a prisão cautelar. Afirma-se que há incompatibilidade com esse princípio, mas esse princípio é primeiramente aplicado no âmbito penal, que não é o caso do direito eleitoral. E, segundo, no próprio capítulo dos direitos políticos, existem dispositivos que preservam a moralidade eleitoral. É aí que vem esse projeto de lei para dizer que no risco de um candidato com condenações por crimes graves participar das eleições, é melhor retirar ele. Ganha a sociedade. Se for absolvido depois, pode se candidatar nas eleições seguintes, sem risco para a sociedade. Hoje, a situação é o contrário. A pessoa tem várias condenações e pode participar. Com isso, entram pessoas no Congresso e no Legislativo sem serem aptas. A imprensa mostra diariamente essas pessoas envolvidas com corrupção.

‘Vamos ser rigorosos na aplicação da lei eleitoral’

Há uma corrente que defende a validade desta Lei Ficha Limpa apenas nas eleições seguintes e não no pleito deste ano. Isso procede?
Quem faz essa afirmação é com base no princípio da anuidade. Mas é preciso lembrar que a Constituição diz: “A Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade (...)”. Essa lei complementar é a 64/90. Ela foi criada em 1990. A Constituição é de 88 e essa lei de dois anos depois. Quando a lei veio em 90, foi feita uma consulta ao TSE: “Essa lei tem vigência imediata?”. O TSE respondeu: “Tem”. Ora, a lei fala em condenação por crimes “tais”, com “transito em julgado”. As pessoas condenadas (com trânsito em julgado) antes da lei não puderam participar do processo eleitoral a partir de então. Então, não seria retroatividade da lei, mas sim aplicação imediata. A natureza desta lei é de ordem pública e não de interesse privado.

Então, quem tiver condenação até 10 de junho, data do início das convenções, nos casos previstos na lei, deve desistir da candidatura?
Não digo desista. Digo que vai ter problemas com o Ministério Público, porque vamos impugnar. Foi condenado, mesmo antes da lei, por órgão colegiado, vai ser motivo de impugnação por parte de Ministério Público. Essa é nossa intenção. Claro, isso depois de superada a discussão sobre a aplicabilidade. E quem vai dizer isso é o TSE. Se o TSE afirmar que não se aplica nas eleições de 2010, obviamente não vamos enfrentar essa jurisprudência, porque mesmo ganhando aqui (no Tribunal Regional Eleitoral) iriamos perder em outra instância.

O Ministério Público tem conhecimento de candidatos que poderiam ter problemas no RN?
Especificamente, não me lembro de ninguém. Não me preocupo com pessoas, mas sim com a situação. Os candidatos têm que juntar certidões criminais. Então vai ter a notícia se candidato X, Y ou Z tem condenação por órgão colegiado. Havendo essa notícia, será tomada a iniciativa devida.

Mas o Ministério Público está preparado para fiscalizar a ficha de cada candidato?
Atualmente, e deveria mudar isso, é muito exíguo o prazo para impugnação. Mas estamos preparados, porque neste período vamos viver no Tribunal (Regional Eleitoral), junto com a assessoria. Obviamente, não é só o Ministério Público. O juiz eleitoral pode agir de ofício. Além disso, os candidatos também fiscalizam uns aos outros. Então, existe uma fiscalização ampla. O Ministério Público é mais um ator neste processo, claro que, de forma imparcial e sem vinculação com ninguém. Se tivermos a aprovação definitiva da lei e a sinalização de que se aplica nestas eleições, vamos dar prioridade a essa questão, porque é constatação documental. Constatou, faz a impugnação. O desafio vai ser apenas no exíguo prazo tentar analisar a quase totalidade dos registros de candidaturas.

As denúncias feitas até agora contra propagandas eleitorais antecipadas é um prenúncio de que o Ministério Público vai ser mais rigoroso do que nos pleitos anteriores?
Não sei se mais. Vamos ser rigorosos na aplicação da lei (eleitoral). Essa é uma postura não só minha, mas também dos procuradores eleitorais auxiliares, que dão um apoio indispensável. Se a lei proíbe um comportamento, temos, como Ministério Público, que veicular as pretensões no judiciário para tentar coibir. Quem quiser infringir a lei vai ter que se sujeitar às penalidades da lei. Essa é uma postura que adotamos com muita tranquilidade. Quem quiser afrontar a lei vai saber que vamos estar diuturnamente em busca da legalidade, ou seja, da normalidade e lisura das eleições, que temos o papel de proteger. A democracia é algo muito importante.