quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Precatórios: novela ou filme de terror?
Nem mesmo indicação do CNJ de que precatórios devem ser pagos em 15 anos serve de alento a quem já mofa na fila há 30 anos
Heitor Peixoto*
Publicação: 23.12.2010
“Antes de morrer, você vai receber”. Este é a frase que está na capa do filme “O chamado”, sucesso de terror lançado em 2002, uma versão do clássico japonês “Ringu”. A adaptação deixou meio mundo de cabelo em pé, mostrando a maldição de uma fita VHS que matava em sete dias quem a houvesse assistido.
E por falar em terror, cabelo em pé e morte, a frase “antes de morrer, você vai receber” bem que poderia ser a máxima daqueles que esperam por anos e anos pelo pagamento de precatórios nos três níveis de governo. Mas ela não seria tão adequada, já que muitos morrem antes do tal chamado (a receber), assombrados pela indigna danação de não ver a cor do dinheiro. Dinheiro, aliás, judicialmente determinado. Causas, em sua maioria, transitadas em julgado. Coisa líquida... e incerta.
Só para explicar quem não conhece o termo, ou para relembrar aqueles que, de tanto esperar, já até se esqueceram do significado da coisa: precatórios são títulos da dívida que o governo emite para pagar quem vence na Justiça demandas contra o Estado. Esses títulos são pagos de acordo com uma fila que ih... nem dá pra ver aonde vai.
Para se ter uma idéia, em julho deste ano a OAB estimava que só no estado de São Paulo havia 600 mil pessoas aguardando para receber.
A saga dos precatórios no Brasil não é filme de terror, mas é tão assustadora quanto. Chegou a criar, por exemplo, o bizarro personagem do leilão às avessas. Uma mutante aberração posta para tomar conta da fila, e que passa na frente quem aceitar os maiores abatimentos no montante a ser recebido. Algo como “quem quer menos?”.
Nem mesmo a indicação do CNJ no mês passado de que os precatórios devem ser pagos em até 15 anos serve de alento a quem já mofa na fila há 10, 15, 20 ou 30 anos nessa espera.
Por fim, o que todo esse contingente de cidadãos aguarda são apenas duas coisas: a primeira é receber o tal chamado (a receber). A segunda é que esse chamado venha primeiro daqui de baixo, antes daquele lá de cima, o único, de fato, definitivo.
Publicado no congressoemfoco