domingo, 31 de outubro de 2010

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O que esperar do próximo presidente

O futuro nas mãos de Dilma e de Serra

Os candidatos quase não apresentaram metas objetivas. Mas pronunciamentos e as propostas de governo, mesmo vagos, dão pistas de como será o novo governo
31/10/2010 | 00:06 | André Gonçalves, correspondente
Seja quem for o vencedor da eleição presidencial, neste domingo, ele ou ela certamente terá dificuldades para tirar suas propostas de governo do papel. Até porque nem Dilma Rous­­seff (PT) nem José Serra (PSDB) chegaram sequer a organizar suas promessas de maneira mais clara ao longo da campanha. Sem metas objetivas para quase todas as áreas, eles desfecham uma disputa presidencial marcada mais por agressões mútuas do que pela discussão de ideias para o país.
Para ajudar a diferenciar o que pensam os presidenciáveis, a Gazeta do Povo compilou declarações e textos produzidos ao longo da campanha sobre dez áreas da administração pública. As propostas, tanto as genéricas quanto as objetivas, auxiliam na previsão de como o Brasil será conduzido a partir de 1.º de janeiro 2011. Em quase todos os temas, especialistas reclamam da falta de profundidade do debate.
Frases
“Há pouco de concreto sobre o que os dois realmente querem para a economia. A Dilma tende a ser mais favorável à atuação do Estado do que o Serra.”
Antônio Corrêa de Lacerda, professor-doutor de Economia da PUC-SP.
“O custo tributário do Brasil é muito alto e não foi tratado como deveria na campanha. Não podemos passar por essa década sem acenar para o mundo que queremos que mais investimentos fiquem no país.”
Gilberto Amaral, diretor técnico do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário.
“Ambos fazem promessas genéricas, seja de UPAs ou de centros especializados. Não condiz com as necessidades estruturantes do nosso sistema de saúde.”
Francisco Batista Júnior, presidente do Conselho Nacional de Saúde.
“Nenhum dos dois tem nada a ver com o meio ambiente. O que se viu ao longo do segundo turno foi uma corrida pelo espólio da Marina, e só.”
Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.
“A crítica à lentidão do PAC ocorre porque quando há um leque tão grande de obras públicas, falta dinheiro para tocar todas ao mesmo tempo e o ritmo cai. Mas o programa tem ensinamentos.”
James Giacomoni, professor de Orçamento Público da UnB.
“Há três questões que ficaram de fora da campanha e que vão incomodar: a dificuldade dos jovens de entrar no mercado de trabalho, a informalidade nas micro e pequenas empresas e a necessidade de qualificar a mão-de-obra.”
José Pastore, sociólogo, professor aposentado da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP.
“Não dou nota 10 para nenhum dos candidatos. A maioria das propostas, como as ligadas à educação infantil, depende de recursos municipais. E de onde vai sair o dinheiro?”
Bertha do Valle, professora especialista em gestão da educação da UERJ
“Há um bocado de lorota. Ambos falam em ampliar o Bolsa Família, mas ninguém mostra a fonte de financiamento.”
Evilásio Salvador, professor do doutorado em Serviço Social da UnB.
“Na verdade, eles abortaram a campanha”, critica o diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani. Para ele, os candidatos perderam muito tempo discutindo temas religiosos, como a legalização do aborto, e deixaram de lado assuntos mais relevantes para a gestão do país. Sobre meio ambiente, diz Mantovani, o único interesse ao longo do 2.º turno foi ganhar os votos de Marina Silva (PV).
Há áreas, porém, que ficaram em evidência. As privatizações e o cuidado com o patrimônio público foram citados em todos os últimos programas do horário eleitoral . Nem por isso ajudaram a esclarecer o eleitor quanto à visão dos adversários sobre a função do Estado na economia.
No papel, Dilma é mais estatizante do que Serra. Mas, na palavra, o tucano foi o único a dizer que o Banco Central não é a “Santa Sé” e sinalizou que irá atuar pessoalmente na definição da política cambial e de juros. Só juntando o que foi dito e escrito para chegar a conclusões.
Propostas vagas
A apresentação de programas de governo deveria ser uma das inovações das eleições deste ano. Todo candidato a presidente e governador precisou entregar um plano de gestão à Justiça Eleitoral. Serra forneceu apenas dois discursos feitos durante a pré-campanha. E só finalizou seu plano de governo mais elaborado na sexta-feira, a dois dias da eleição – o que não permitiu que a sociedade o conhecesse com profundidade e o discutisse.
Dilma inicialmente entregou uma cópia das resoluções aprovadas pelo 4.º Congresso do PT, em fevereiro. Pressionada, tirou algumas sugestões consideradas radicais pelo PMDB no mesmo dia, como a taxação de grandes fortunas. Na última segunda feira, apresentou uma cartilha com 13 “diretrizes” de governo, novamente sem definições de metas.
Em outubro, Serra passou a divulgar as propostas no site de campanha, um recorte do que ele propôs no horário eleitoral. Já o portal de Dilma apenas recolheu as ideias dos eleitores.
Entre o emaranhado de posições, a diferença mais marcante foi, de longe, a política externa. “O grupo Dilma-Lula tem uma visão do mundo a partir do referencial político, que traz na esteira o econômico. Para Serra, a referência central é econômica, a política vem depois”, explica Alberto Pfeifer, professor do Grupo de Análise de Conjuntura Interna­­cional da Universidade de São Paulo (USP).
Na saúde, há raras distinções de estratégias. Serra aposta na volta dos mutirões e na construção de 154 centros médicos especializados. Dilma quer construir 500 Unidades de Pronto Atendimento e diminuir a demanda pelos hospitais em problemas mais simples. Para o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Batista Júnior, no entanto, a discussão deveria passar pelas “necessidades estruturantes” do sistema.
Há também diferenças na forma com que ambos enxergam a segurança pública. Serra quer um ministério próprio para a área. Dilma acredita que o problema não está ligado à burocracia, mas à maneira social de encarar o problema. Para o pesquisador do Centro de Estudos de Crimina­­lidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Robson Sávio Souza, eles atingem o alvo de raspão. “Precisamos de um sistema integrado, que envolva estados e municípios.”
Na infraestrutura, as propostas giram em torno da eficiência do Programa de Aceleração do Cres­­cimento (PAC). Dilma garante que o modelo é um sucesso, mesmo sem ter conseguido concluir metade das obras previstas. Serra menospreza o programa, referindo-se a ele como uma mera “lista de obras”, embora 35 dos 40 empreendimentos sugeridos por ele para os próximos 4 anos já estejam no PAC.
O professor de Orçamento Público da UnB, James Giacomoni, diz que o desafio é outro: o “cobertor curto”. “Quando há um leque tão grande de obras, falta dinheiro para tocar todas ao mesmo tempo e o ritmo cai.” Ex-ministros, Dilma e Serra conhecem de perto essa realidade, mas também sabem o quanto ela é inconveniente durante uma campanha eleitoral.
Serra até prometeu cortes no custeio da máquina para fazer sobrar mais dinheiro para investimentos. Por outro lado, provocaria um aumento de R$ 46 bilhões ao ano nas contas públicas se colocasse em prática as propostas de subir de imediato o salário mínimo para R$ 600 e de ampliar o Bolsa Família. A petista arrisca menos nos números, mas evita falar em redução de despesas.
Amparados pelas projeções de crescimento da economia para os próximos anos, os dois posam de comandantes da consolidação do “Brasil Grande”. Nenhum, porém, assumiu o ônus real do quanto isso custará. A campanha termina hoje como começou, com propostas que se confundem entre os candidatos. E com candidatos que se confundem entre escândalos.
Na mesma trilha
As propostas de governo de Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) apresentadas durante a campanha não contemplam muitas ações concretas para um futuro governo. Mas declarações dos candidatos à imprensa e no horário eleitoral de rádio e tevê dão as pistas de como cada um pretende governar caso seja eleito neste domingo. Em muitos casos, há uma grande convergência de ideias. Em outros, diferenças tênues. Um indício de que, seja quem for o eleito, é grande a probabilidade de seguir o mesmo rumo deixado pelos antecessores, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso.